Este é um texto que
começou devagarzinho, fruto de uma provocação que me foi feita por um livro.
Chamava-se “Quem me
roubou de mim?”, do Padre Fábio de Melo, homem que eu admiro muito.
No começo, confesso
que me deslumbrei um pouco com a proposta dele em descobrir quem de fato nos
rouba de nós mesmos.
Depois, tomei consciência
de que aquilo que ele chama de “seqüestro da subjetividade” acontece
diuturnamente.
Quando interiorizei a
mensagem, passei a me perguntar: Quem permitiu esse sequestro?
E quando cheguei à
óbvia resposta, fiquei bastante satisfeita!
Eu! Eu permito que me
roubem de mim mesma!
E isso é
profundamente libertador.
Libertador, porque o
cerne de tudo aquilo que eu posso pretender controlar, mudar, aperfeiçoar e
evoluir sou eu mesma.
Então, se o seqüestro
depende de mim, também depende de mim que eu
PERTENÇA A MIM MESMA.
E foi esta epifania que
me levou a escrever algumas palavras sobre esse tema.
Pertencer.
Eu pertenço. A mim e
só a mim.
Tu pertences. A você,
e não a mim.
Ele pertence. A quem
quer que ele queira, e isto não é problema meu. Ou seu.
Nós pertencemos a uma
zona de intersecção de interesses, localizada no encontro das minhas e das suas
pertenças.
Eu não pertenço a
nada que não me pertença, só porque você quer pertencer.
E por aí vamos...
Feita a devida provocação,
vamos problematizar.
O que é o seqüestro
da subjetividade?
A palavra seqüestro
já é absolutamente familiar a todos nós.
O seqüestro do corpo
é uma forma de roubo.
Alguém é
materialmente levado do seu meio.
O seqüestro da
subjetividade se refere a outra forma de afastamento.
Neste caso, a
privação mais danosa é a que sofremos de nós mesmos.
Estamos falando de um
vínculo que mina nossa capacidade de ser quem somos, de pensar por nós mesmos,
de exercer a nossa autonomia de tomar decisões e exercer nossa liberdade de
escolha. Trata-se de um roubo silencioso que nos leva de nós.
O seqüestro da
subjetividade pode acontecer em todas as instâncias de relacionamentos.
Um só descuido e as
relações podem evoluir para essa violência silenciosa.
Basta que as pessoas
se percam de seus referenciais, que se distanciem do verdadeiro significado de proteção,
que confundam amor com posse, que abram mão de suas identidades e que se
ausentem de si mesmas.
O seqüestro da subjetividade
é uma forma de aliciamento.
A invasão é suave,
processual.
Antes dos maus-tratos
do cativeiro, a sedução da conquista.
É natural que seja
assim.
Só por esses
apontamentos esse texto já valeria.
Mas e o que dizer
àquelas pessoas que se vangloriam e dizem “está bom pra mim assim” ou “eu seu o
que estou fazendo”?
Não haveria dano em
se deixar seqüestrar?
As conseqüências
dessa violência são nefastas.
Nada pode ser mais
cruel do que ser privado de si mesmo.
Trata-se de um crime
afetivo que se desdobra em doença na carne.
A enfermidade que
nasce do reconhecimento de que não fomos fiéis a nos mesmos, de que não nos
empenhamos o suficiente para encontrar as chaves do cárcere que nos privava do
amor que nos capacitaria a amar os outros.
Só podemos dar aquilo
que temos.
Se nos falta
amor-próprio, é certo que não teremos amor a oferecer.
Um mosaico é feito de
partes; e essas partes se conjugam e compõem de uma única peça.
São inúmeros e
pequenos detalhes que constroem a trama do mosaico.
A pequena peça é
fundamental para a construção do todo, e por isso não pode ser negada,
separada.
E o que fazer?
Compreendemos o
problema do seqüestro da subjetividade, entendemos os danos e aprendemos a
identificá-lo nos meandros da vida.
E como
combater/evitar o seqüestro da subjetividade?
O evangelho é um
instrumental poderoso, capaz de promover a vida e a liberdade necessária para
bem vivê-la.
Jesus é o enviado que
tem como missão específica salvar o ser humano de todas as amarras que o privam de sua realização.
Ele é o Deus
encarnado, o Verbo que assume a carne humana para resgatá-la de suas
escravidões.
Por isso a palavra de
Jesus é sempre simbólica.
Porque sua fala faz
com que a pessoa ultrapasse o limite da palavra dita.
(...) a vida cristã
consiste em ser um referencial de análise para todos os relacionamentos qu
estabelecemos.
Somos todos chamados
pelo Criador a viver e resguardar a liberdade que Ele nos concedeu, vivendo o desafio
de sermos pessoas.
Ser pessoa consiste
em dispor-se de si e dispor-se aos outros.
Trata-se de um
projeto audacioso de pertencer-se para doar-se.
Sem rodeios.
Só há dois caminhos.
Ou o relacionamento
nos fortalece a subjetividade, encaminhando-nos a uma natural partilha do que
somos, ou ele nos enclausura nos cativeiros do afeto possessivo, retirando-nos
o direito de dispormos de nós mesmos.
E pra pensar na cama:
“Há pessoas que nos
roubam.
Há pessoas que nos devolvem.”
(Paula Duran)
Lindo obrigada
ResponderExcluirJana