quarta-feira, 15 de outubro de 2014

PERTENÇA-SE A SI MESMO!

Este é um texto que começou devagarzinho, fruto de uma provocação que me foi feita por um livro.
Chamava-se “Quem me roubou de mim?”, do Padre Fábio de Melo, homem que eu admiro muito.

No começo, confesso que me deslumbrei um pouco com a proposta dele em descobrir quem de fato nos rouba de nós mesmos.
Depois, tomei consciência de que aquilo que ele chama de “seqüestro da subjetividade” acontece diuturnamente.
Quando interiorizei a mensagem, passei a me perguntar: Quem permitiu esse sequestro?

E quando cheguei à óbvia resposta, fiquei bastante satisfeita!
Eu! Eu permito que me roubem de mim mesma!
E isso é profundamente libertador.

Libertador, porque o cerne de tudo aquilo que eu posso pretender controlar, mudar, aperfeiçoar e evoluir sou eu mesma.
Então, se o seqüestro depende de mim, também depende de mim que eu
PERTENÇA A MIM MESMA.

E foi esta epifania que me levou a escrever algumas palavras sobre esse tema.

Pertencer.
Eu pertenço. A mim e só a mim.
Tu pertences. A você, e não a mim.
Ele pertence. A quem quer que ele queira, e isto não é problema meu. Ou seu.
Nós pertencemos a uma zona de intersecção de interesses, localizada no encontro das minhas e das suas pertenças.
Eu não pertenço a nada que não me pertença, só porque você quer pertencer.
E por aí vamos...

Feita a devida provocação, vamos problematizar.

O que é o seqüestro da subjetividade?

A palavra seqüestro já é absolutamente familiar a todos nós.
O seqüestro do corpo é uma forma de roubo.
Alguém é materialmente levado do seu meio.
O seqüestro da subjetividade se refere a outra forma de afastamento.
Neste caso, a privação mais danosa é a que sofremos de nós mesmos.

Estamos falando de um vínculo que mina nossa capacidade de ser quem somos, de pensar por nós mesmos, de exercer a nossa autonomia de tomar decisões e exercer nossa liberdade de escolha. Trata-se de um roubo silencioso que nos leva de nós.

O seqüestro da subjetividade pode acontecer em todas as instâncias de relacionamentos.
Um só descuido e as relações podem evoluir para essa violência silenciosa.
Basta que as pessoas se percam de seus referenciais, que se distanciem do verdadeiro significado de proteção, que confundam amor com posse, que abram mão de suas identidades e que se ausentem de si mesmas.

O seqüestro da subjetividade é uma forma de aliciamento.
A invasão é suave, processual.
Antes dos maus-tratos do cativeiro, a sedução da conquista.
É natural que seja assim.

Só por esses apontamentos esse texto já valeria.
Mas e o que dizer àquelas pessoas que se vangloriam e dizem “está bom pra mim assim” ou “eu seu o que estou fazendo”?
Não haveria dano em se deixar seqüestrar?

As conseqüências dessa violência são nefastas.
Nada pode ser mais cruel do que ser privado de si mesmo.
Trata-se de um crime afetivo que se desdobra em doença na carne.
A enfermidade que nasce do reconhecimento de que não fomos fiéis a nos mesmos, de que não nos empenhamos o suficiente para encontrar as chaves do cárcere que nos privava do amor que nos capacitaria a amar os outros.
Só podemos dar aquilo que temos.
Se nos falta amor-próprio, é certo que não teremos amor a oferecer.

Um mosaico é feito de partes; e essas partes se conjugam e compõem de uma única peça.
São inúmeros e pequenos detalhes que constroem a trama do mosaico.
A pequena peça é fundamental para a construção do todo, e por isso não pode ser negada, separada.

E o que fazer?
Compreendemos o problema do seqüestro da subjetividade, entendemos os danos e aprendemos a identificá-lo nos meandros da vida.
E como combater/evitar o seqüestro da subjetividade?

O evangelho é um instrumental poderoso, capaz de promover a vida e a liberdade necessária para bem vivê-la.
Jesus é o enviado que tem como missão específica salvar o ser humano de todas as amarras que o  privam de sua realização.
Ele é o Deus encarnado, o Verbo que assume a carne humana para resgatá-la de suas escravidões.
Por isso a palavra de Jesus é sempre simbólica.
Porque sua fala faz com que a pessoa ultrapasse o limite da palavra dita.
(...) a vida cristã consiste em ser um referencial de análise para todos os relacionamentos qu estabelecemos.

Somos todos chamados pelo Criador a viver e resguardar a liberdade que Ele nos concedeu, vivendo o desafio de sermos pessoas.

Ser pessoa consiste em dispor-se de si e dispor-se aos outros.
Trata-se de um projeto audacioso de pertencer-se para doar-se.

Sem rodeios.
Só há dois caminhos.
Ou o relacionamento nos fortalece a subjetividade, encaminhando-nos a uma natural partilha do que somos, ou ele nos enclausura nos cativeiros do afeto possessivo, retirando-nos o direito de dispormos de nós mesmos.

E pra pensar na cama:
“Há pessoas que nos roubam. 
Há pessoas que nos devolvem.”

(Paula Duran)


Um comentário:

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